Era aniversário de um neto. Não costumo dar presentes comprados – todos já sabem. Encontro nos meus guardados um belo relógio de pulso do fim do século passado. Uma lembrança e um significado. Depois, percorro os olhos pela biblioteca: o que pode ser útil nestes tempos conturbados?
Tateio entre uns e outros e minha mão se fixa num só... Religiões do Mundo. Um livro alto e fino, tipo revista, belas ilustrações. Não sei de onde veio. Talvez um livro escolar da nova geração. Original alemão de 1997. Tradução portuguesa de 2000. Um presente de grego? Talvez.
Esse livro me lembra, com certa emoção, o único dez que tirei no colégio. Era o tema das aulas de religião. Descobri ali a história da humanidade, com suas artes e suas guerras, seus deuses e símbolos, línguas e costumes, santos e demônios. E percebi vagamente que seria nesse mundo, contraditório, dual e desigual, que trilharia meu caminho.
Curiosamente não me lembro e nem tenho cópia de outro livro que parecia importante. Lembro apenas que parecia velho. Ou seria uma ilusão? Minha irmã diz que era um livro de história da igreja, capa branca, letras vermelhas no título. Por que esse livro que mudou minha percepção do mundo não ficou gravado em mim?
Na garagem vazia lá de casa tinha um mezanino. Fiz de lá meu refúgio. Rasguei as últimas folhas em branco dos cadernos inacabados e fui colando na parede fatos, datas e países. Guerras, cruzadas, cismas, reis... um verdadeiro quebra-cabeças que ficou inacabado. Nada coincidia, a história não é linear e não se repete... ou sim. Não vou testar, mas aposto que Inteligência Artificial (AI ou IA?) pode resolver esse quebra-cabeças em um minuto. Um mapa cronológico da história do mundo, fato por fato, em cada região do mundo, simultaneamente. Quando isto acontecia aqui, o que acontecia acolá? Uma bomba acolá... o que acontece aqui?
Tempos modernos, os papas também escrevem seus livros. João Paulo II (1978-2005), o mais longo pontificado da Igreja Católica, aceitou participar de uma entrevista para a televisão italiana. Recebeu uma exaustiva lista de perguntas preparatórias que respondeu meticulosamente por escrito em sua língua natal, o polonês. Fato inédito – um papa escrevendo sobre si e sua religião para aparecer na televisão.
A entrevista, que afinal não se realizou, virou um “livro-entrevista” de sucesso, editado primeiro em italiano e depois em francês. Em português pode ser encontrado na Estante Virtual e em pdf pela internet: João Paulo II – Cruzando o limiar da esperança (Editora Omega, 1994). Um “livro-entrevista” que foge aos padrões usuais dos documentos e escritos do Vaticano. Um depoimento pessoal que revela de forma espontânea e generosa o pensamento e a fé de um Papa. “Qual a diferença entre o Deus dos muçulmanos e o Deus dos cristãos? Deus existe? Por que os cristãos estão tão divididos? Que provas temos da existência de Deus?”. Da política à liberalização dos costumes, nenhuma pergunta ficou sem resposta.
O Papa Francisco também tem um livro: Esperança (Editora Fontanar, 2025), uma autobiografia – a primeira do gênero. À sua maneira, Francisco mostra seu temperamento aberto e afetuoso, irônico às vezes ao falar livremente de todos os assuntos sem medo de transgredir fronteiras. Não deixou de abordar, de forma simples e direta (e com humor também), os temas mais candentes da atualidade: da ecologia às guerras. Dos costumes às questões sociais.
Leão XIV, o novo papa, vem com uma energia renovadora. Acolhe a sabedoria e experiência de seus predecessores e, seguindo as pegadas do teólogo e filósofo Santo Agostinho (354- 430), fundador da ordem à qual pertence, casa seu senso de disciplina e piedade com a firmeza de quem conhece também o mundo e suas dificuldades... e o tipo de desafios que tem pela frente. A primeira bandeira que levantou foi pela paz. Por sua origem multicultural e sua experiência de campo, ele sabe de onde está falando e o que o espera pela frente.
Três homens singulares em uma posição singular no mundo, que dizem aqui quem são e a que vêm e compartem sua visão do mundo e sua fé a serviço de Deus e dos Homens, cada um com seu estilo e modo de ser. Os três viajaram muito, para ver o mundo (e também a política) de perto. A história da diplomacia do Vaticano enquanto Estado é um capítulo à parte que aparece com clareza no livro do novo papa, Leão XIV (Editora Paulus 2025), de Samuel Pruvot com a colaboração de Marc Leboucher.
Herdeiros de dois mil e tantos anos de história e pastores de mais de um milhão de almas, os papas são também chefes de Estado – o Estado do Vaticano, o menor país do mundo que mantém relações diplomáticas com 183 países. Para além da doutrina em si, sua influência mundial se orienta na linha da defesa dos direitos humanos e da paz, mediação de conflitos, e mais recentemente, dos direitos da Terra1.
Quem conta essa longa história é o jornalista, historiador e escritor inglês Paul Johnson (1928-2023), que transitou da esquerda para a direita, em mais de 700 páginas do livro História do Cristianismo (Editora Imago, 2001).